Em março de 2021, a liberação do primeiro remédio para tratamento da Covid-19 no Brasil foi sinal de esperança em um momento em que a vacinação caminhava a passos lentos. Dois anos depois, a imunização avançou e as vacinas ganharam atualização, mas o desenvolvimento e a oferta de terapias contra a doença ainda desafiam a ciência, a indústria farmacêutica e os governos.
Um dos motivos são as mutações feitas pelo Sars-Cov-2, em especial a variante ômicron e suas subvariantes, hoje predominantes no cenário mundial. Mais transmissível e com um “design” totalmente diferente da cepa original do coronavírus, a ômicron colocou em xeque a eficácia de medicamentos aprovados antes do surgimento dela.
Há também a desigualdade de acesso aos remédios, com poucas opções no sistema público de saúde global e preços bem salgados na rede privada.
- A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda seis opções de tratamento comprovadas para pacientes com Covid-19: três evitam internação em pacientes de alto risco e três atuam em casos graves ou críticos;
- A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já liberou o uso de nove tratamentos diferentes no Brasil – desses, seis seguem aprovados e três foram revogados ou suspensos;
- Três medicamentos foram incorporados no SUS pelo Ministério da Saúde desde 2021.
ATENÇÃO: para todos os medicamentos disponíveis para a Covid, há necessidade de prescrição médica. E mais: nenhum remédio substitui a vacinação, que segue sendo a melhor forma de prevenção contra a Covid-19.
Paxlovid é um antiviral para a Covid, disponível em farmácias e no SUS sob prescrição médica — Foto: Pedro Trindade/Inter TV Cabugi
O que a OMS recomenda e não recomenda
Na lista de medicamentos recomendados pela OMS, estão:
- Paxlovid (nirmatrelvir+ritonavir): o antiviral produzido pela farmacêutica Pfizer é indicado para pacientes com sintomas leves a moderados de Covid e com alto risco de hospitalização.
- Baricitinibe: o remédio anti-inflamatório é indicado para pacientes graves, já hospitalizados e com uso de oxigênio. Antes da Covid, era usado principalmente no tratamento da artrite reumatoide.
- Bloqueadores de IL-6: como os remédios tocilizumabe e sarilumabe, que inibem uma proteína (interleucina-6) que promove inflamação crônica e está associada a maior agressividade e risco de morte por coronavírus.
- Corticosteroides sistêmicos: como a dexametasona e a prednisolona, que atuam no controle da inflamação em pacientes com quadro grave ou crítico da Covid. São considerados mais baratos e mais acessíveis em escala global.
- Molnupiravir: antiviral de uso oral voltado para quadros leves de Covid, mas com alto risco de internação. Não é recomendado para grávidas, lactantes e crianças.
- Remdesivir: antiviral indicado para quatros não graves e graves com alto risco de internação. Tem uso injetável, diário e restrito ao ambiente hospitalar.
Há também os medicamentos rechaçados, que não fazem efeito algum contra a Covid. Na lista, estão a hidroxicloroquina e o plasma convalescente.
Recentemente, a OMS revisou as evidências científicas de dois anticorpos monoclonais, o sotrovimabe e o casirivimabe+imdevimabe, e passou a não os recomendar para tratamento contra a Covid por terem ação diminuída contra as atuais variantes do coronavírus.
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Tratamentos para Covid-19 recomendados e não recomendados pela OMS — Foto: Bernardo Soares/Arte g1
No Brasil, Anvisa aprovou e suspendeu terapias
Seis medicamentos estão autorizados para uso em pacientes com Covid-19 pela Anvisa – a maioria ainda em caráter emergencial. São eles:
- Remdesivir (registro definitivo);
- Sotrovimabe (uso emergencial);
- Baricitinibe (indicação aprovada);
- Molnupiravir (uso emergencial);
- Paxlovid (uso emergencial);
- Evusheld (uso emergencial).
O Evusheld (cilgavimabe + tixagevimabe) foi o primeiro autorizado no Brasil voltado para prevenção da Covid-19, indicado para pessoas não-infectadas e que não tiveram contato prévio com o vírus. Nos Estados Unidos, o remédio foi vetado no início deste ano por não ser capaz de neutralizar a subvariante XBB.1.5.1.
A droga é um anticorpo monoclonal – alguns desses medicamentos vem perdendo força frente às mutações do coronavírus, levando farmacêuticas a aprofundar os estudos na tentativa de encontrar tratamentos que possam ser mais efetivos contra futuras cepas.
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Medicamento contra a Covid-19 Evusheld — Foto: Business Wire / Reprodução Anvisa
No Brasil, três medicamentos com anticorpos monoclonais associados foram aprovados e, depois, vetados pela Anvisa, após demonstrarem uma queda significativa na eficácia contra a ômicron:
- Banlanivimabe e etesevimab: revogado.
- Regkirona (regdanvimabe): suspenso temporariamente;
- Casirivimabe e imdevimabe: suspenso temporariamente.
O que está disponível no SUS
No ano passado, o Ministério da Saúde anunciou a incorporação de três remédios para a Covid-19 no SUS.
- o baricitinibe, para tratamento de pacientes adultos hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal;
- o Paxlovid, para quadros leves a moderados da Covid-19 e alto risco de complicações;
- e o tocilizumabe, indicado para o tratamento de pacientes adultos hospitalizados (off-label).
Outras seis terapias foram analisadas até o momento, mas receberam parecer negativo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), responsável por avaliar os remédios e tratamentos a serem disponibilizados na rede pública.
Tanto o baricitinibe quanto o tocilizumabe são remédios que já existiam antes da pandemia, usados principalmente no tratamento da artrite reumatoide, o que fica mais fácil a disponibilização no SUS.
No caso do Paxlovid, 100 mil unidades do medicamento foram distribuídas na rede pública entre o final de 2022 e início deste ano. No SUS, o tratamento está disponível para pacientes imunossuprimidos a partir de18 anos e idosos com 65 anos ou mais de idade, que apresentem quadros leves a moderados de Covid. Nas farmácias, a caixa de 30 comprimidos é vendida por R$ 4 mil.
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Antes da Covid, o baricitinibe era usado principalmente no tratamento da artrite reumatoide — Foto: Lilly/Divulgação
O futuro dos tratamentos
Por conta das variantes, cientistas vêm apostando em pesquisas de medicamentos que atuam no sistema imunológico e que possam reforçar a resposta imune do paciente. É como se o remédio desse ao corpo as próprias armas para eliminar o vírus. A ação é diferente de anticorpos monoclonais ou de antivirais, que se ligam ao vírus para combatê-lo.
Para o professor de medicina da PUC Minas e associado da Universidade McMaster (Canadá), Gilmar Reis, esse tipo de tratamento oferece uma vantagem em relação a outros pois reduz a chance de resistência à droga no caso de surgimento de uma nova variante.
“A vantagem é que o vírus não consegue fazer uma mutação quando está no sistema imunoinflamatório – ou o organismo produz a defesa de forma adequada ou ele não produz”, disse Reis, que estuda medicamentos que possam frear a infecção por Covid desde o início da pandemia.
Nos ensaios clínicos de fase 3, o Paxlovid, que é um antiviral, foi capaz de reduzir as chances de internação em até 89%. Após a ômicron, novos testes foram feitos, e essa porcentagem caiu para 44%.
Reis coordena testes de medicamentos que atuam no sistema imunológico. Um deles é o Interferon lambda peguilado, um remédio sintético, ainda não comercializado, que foi testado em pacientes no Brasil e no Canadá. Nos resultados, reduziu pela metade as chances de um paciente com a doença ser hospitalizado e se mostrou eficiente para anular todas as variantes do coronavírus.
Outro remédio dessa classe que já mostrou resultados contra a Covid foi a fluvoxamina, usado hoje para tratar depressão. Em 2021, um estudo preliminar apontou que o antidepressivo pode diminuir a inflamação causada pelo coronavírus quando usado no início da infecção. As pesquisas sobre a ação do remédio contra a Covid estão sendo ampliadas e devem ser publicadas na metade deste ano.
“Os antivirais são muito importantes, mas o antiviral tem aquele problema do desenvolvimento da resistência à medida que o vírus vai fazendo as suas mutações”, explicou o professor.
“Eu acredito que essa abordagem veio para ficar, é uma quebra de paradigma. Muito provavelmente, no futuro, nós vamos tratar viroses com combinação de antiviral mais medicações que atuam no sistema imunoinflamatório”, afirma Reis.
Fonte: G1