O presidente da China, Xi Jinping, rompeu nesta segunda-feira seu silêncio público sobre a pandemia desde que a política de Covid zero foi aliviada no início deste mês, provocando um surto do coronavírus sem precedentes no país. Sem dar sinais de que a reabertura será freada, o mandatário demandou que autoridades locais tomem medidas para “proteger eficazmente” as vidas dos chineses, promovendo hábitos de higiene e informações de combate à crise sanitária.
“Atualmente, a prevenção e o controle da Covid-19 na China enfrentam uma nova situação e novas tarefas”, disse Xi, segundo o canal estatal CCTV. “Devemos lançar a campanha de saúde patriótica de um modo mais direcionado (…), fortalecer a linha comunitária de defesa para o controle e prevenção epidêmica e efetivamente proteger a vida, a segurança e a saúde das pessoas.”
Pouco exposto ao vírus durante a maior parte dos três anos da pandemia, o 1,4 bilhão de chineses lida com um aumento recorde das infecções que sobrecarregam hospitais e dificultam o acesso a remédios antitérmicos e analgésicos, cenário complicado pelas taxas de vacinação relativamente baixas em idosos. Na semana passada, dados vazados da ata de uma reunião da Comissão Nacional de Saúde, principal órgão sanitário do país, estimavam que o surto estaria infectando cerca de 37 milhões de pessoas por dia — para fins comparativos, o recorde de casos confirmados no planeta em um único dia é 4 milhões, em janeiro deste ano.
Segundo a agência de notícias estatal Xinhua, o premier Li Keqiang também demandou esforços para garantir que o país dê conta da demanda por tratamentos médicos e equipamentos de prevenção. Os comentários vêm uma dia após a Comissão Nacional de Saúde anunciar que irá interromper a divulgação diária de dados sobre novos casos, em meio a preocupações com a pouca transparência.
“Informações relevantes serão divulgadas pelo Centro de Prevenção e Controle de Doenças para referência e pesquisa”, disse a Comissão em um comunicado, sem especificar o motivo para as mudanças ou com qual frequência os números serão publicados.
Até o dia 14 de dezembro, com a testagem obrigatória para viagens e para frequentar lugares públicos, a entidade divulgava diariamente o número nacional de contágios, incluindo os assintomáticos, sendo o único país do mundo a fazê-lo. Desde então, porém, a exigência de testes PCR foi derrubada na maioria dos casos, os quiosques públicos de testagem foram desativados, e os chineses foram autorizados a usar os exames de farmácia, sem precisar reportar seus resultados.
Novo alívio
Agora, a fala de Xi e a transferência das responsabilidades pela contabilidade dos casos são sinais de que o país não tem planos de cessar a implementação de uma nova política de convivência com o coronavírus apesar do recorde de contágios. Segundo fontes do jornal South China Morning Post, o governo chinês irá reabrir suas fronteiras e abandonar de vez as quarentenas para viajantes do exterior a partir do dia 8 de janeiro, dando o passo final no alívio de sua resposta sanitária. Na fronteira entre o continente e a cidade semiautônoma de Hong Kong, a exigência será suspensa no dia 3.
Oficialmente, a Covid sempre foi classificada como uma doença de categoria B na China, mas desde o surto inicial, em 2020, as autoridades lhe dão o tratamento destinado a doenças infecciosas de categoria A. É o patamar mais alto, o mesmo da cólera e da peste, o que obrigava o governo a impor as duras restrições e alistar forças militares para ajudar na resposta sanitária.
Três fontes ouvidas pelo South China Morning Post nas províncias de Guandong, Fujian e Jiangsu, contudo, disseram que foram notificadas pela Comissão Nacional de Saúde para se prepararem para lidar com o vírus como uma doença de categoria B. Com isso, a Covid será tratada como uma doença que exige apenas “tratamento necessário e medidas para conter o contágio”.
Também deve haver uma mudança de nome: até agora, as autoridades se referem ao vírus oficialmente como “pneumonia do novo coronavírus”, classificação que será mudada para a mais amena “infecção do novo coronavírus”.
A China havia relatado zero mortes por Covid por quatro dias consecutivos antes de a divulgação dos dados ser suspensa no domingo, apesar de uma análise da consultoria de saúde Airfinity estimar que o país provavelmente enfrenta 5 mil mortes diárias. Na semana passada, Pequim restringiu a definição do que pode ser classificado como uma morte pelo coronavírus, contando apenas óbitos decorrentes de pneumonia causada pela Covid ou parada respiratória.
O fim abrupto da Covid zero veio após vários sinais de que o custo de conter a altamente contagiosa variante Ômicron estava sendo alto demais. Houve vários incidentes provocados pelo confinamento de trabalhadores em fábricas, incluindo numa unidade que produz smartphones para a Apple, e protestos contra as quarentenas foram registrados no final de novembro em campi universitários e cidades como Pequim, Xangai e Cantão.
Números recentes também mostravam o impacto das restrições na economia chinesa. Dados de novembro por exemplo, mostram que as exportações em dólares caíram 8,7% em comparação com o mesmo mês em 2021, a maior variação negativa desde o início da crise sanitária. As importações encolheram 10,6%, a maior queda percentual em dois anos e meio.
Depois de se disseminar por Pequim, a Ômicron agora se espalha pelo país, desencadeando surtos em grandes centros urbanos no Sul, principalmente. Na província de Zhejiang, no Leste, estima-se que haja hoje cerca de 1 milhão de novos casos diários, números que autoridades locais afirmam poder dobrar na próxima quinzena, antes de atingirem um platô em janeiro, e que cerca de 80% dos 45 milhões de habitantes da região devem ser infectados.
As províncias de Shandong e Hubei, no centro do país, também preveem seus picos nos próximos 15 dias. A província de Jiangxi, no Leste, estima que seu pico será no início do mês que vem, enquanto na vizinha Anhui acredita-se que o pior momento seja o atual, segundo funcionários locais.
O surto também se espalha por regiões rurais, onde a assistência médica é particularmente precária, já que o sistema de saúde chinês está concentrado em grandes cidades e no litoral. A estimativa é que o país tenha menos de um leito de terapia intensiva para cada 10 mil pessoas.
Apenas em Pequim, autoridades municipais afirmam que o número de clínicas passou de 94 para 1,3 mil diante do surto mais recente. Xangai tem 2,6 mil espaços similares, e transferiu médicos de lugares menos afetados para reforçá-las.
Fonte: g1